Factura virtual na saúde: mais transparência ou "medida perigosa"
02.09.2012 -
Por Catarina Gomes, in Público
As queixas que os funcionários
administrativos ouvem são sobre o aumento das taxas moderadoras (Foto: Adriano Miranda)
O ministério, seguindo uma prática comum em outros países europeus, quer que cada utente passe a saber quanto custa cada utilização do Serviço Nacional de Saúde.
O Hospital de Aveiro (integrado no Centro Hospitalar do Baixo Vouga) decidiu avançar por sua conta e risco. Há cerca de um ano, os utentes que vão às urgências e consultas recebem um recibo informando-os de quanto têm que pagar pelo acto clínico e quanto é que este custou, em média, ao hospital. O presidente do conselho de administração do centro hospitalar, José Afonso, herdou a medida dos seus antecessores mas é seu grande defensor.
"As pessoas ouvem falar em milhões gastos na saúde e não sabem a correspondência." Não lhe parece bom argumento dizer que "o cidadão não tem que saber, porque não percebe". Na sua opinião, "esta é uma boa prática" que deve ser alargada, tanto que não lhe choca que "um doente que esteve dez dias em coma" saiba quanto custou ao Estado, que um doente com cancro ou infectado com VIH conheça o custo elevado dos seus tratamentos.
Segundo a Autoridade Central do Sistema de Saúde (ACSS), organismo do Ministério da Saúde que vai aplicar a medida, a ideia é que ela seja alargada primeiro às urgências, depois a consultas, exames e análises e, mais tarde, ao internamento. E diz-se que está em estudo passar aos fármacos hospitalares, aos comparticipados e vendidos nas farmácias e ao transporte de doentes. Traça-se um limite: nos doentes falecidos nas unidades de saúde não haverá emissão de recibo de custos.
No início do mês passado, foi a vez de as urgências do Hospital de São José, em Lisboa, se tornarem oficialmente na primeira experiência-piloto do que ACSS designa como "informação de custos dos cuidados de saúde". A intenção é alargá-la até ao final do ano a 80% dos hospitais públicos (aqueles que têm um sistema informático comum).
A ideia da factura virtual está no programa do Governo, mas é defendida também pelo PS. Nos países nórdicos, é prática a entrega da chamada "factura-sombra". Em Espanha, o Governo comprometeu-se a concretizar a "factura sanitária informativa".
Adalberto Fernandes, professor da Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade Nova de Lisboa, preferia que a medida se designasse "extracto de benefícios" em vez de factura. Lembra que as seguradoras já enviam ao utente o custo total e a quota-parte que cabe ao doente. Ora, o Serviço Nacional de Saúde (SNS) "é um seguro público para o qual todos contribuem. Sou defensor do SNS, também sou acérrimo defensor da responsabilização". Diz que a medida "é amiga da transparência".
O bastonário da Ordem dos Médicos, José Manuel Silva, diz que "as pessoas dão pouco valor ao que desconhecem". No início, admite, "talvez se assustem, mas depois percebem". O responsável vê a medida sobretudo como tendente a uma maior organização do sistema.
Mas a ACSS esclarece que o que o cidadão vai passar a conhecer são "os custos médios" e não os custos reais. Nesse sentido, a iniciativa "é uma oportunidade perdida", defende Pedro Lopes Ferreira, docente da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra e coordenador do Observatório Português dos Sistemas de Saúde. Conhecer os custos reais permitiria perceber que um mesmo acto custa um valor diferente em diferentes hospitais, o que se relaciona com os preços desiguais com que se adquirem serviços e bens, "com opções de gestão". "Seria uma oportunidade para melhorar o sistema", para saber que hospitais gerem melhor os dinheiros públicos.
Feita a ressalva, diz que há uma forma de olhar para a medida com "óculos cor-de-rosa" e com "óculos cinzentos". No primeiro caso, a factura virá dar ao cidadão "consciência do que se gasta com ele". Mas, tendo em conta os tempos que correm, tende a olhar para a medida de forma mais negativa: "Pode ser perigosa", diz Pedro Lopes Ferreira. Esta factura, receia o docente da Nova, pode ser "um preâmbulo para situações mais problemáticas", de "começar a cortar nos serviços de saúde" e criar escalões de cuidados.
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